"Proteína A-beta pode ser parte das  defesas do cérebro contra bactérias.
É ela que, acumulada em placas,  destrói sinais entre conexões nervosas."
Durante anos, uma teoria bastante popular dizia que um dos         principais vilões no mal de Alzheimer não passava de um produto         inútil, de que o cérebro nunca se livrou adequadamente. O         material, uma proteína chamada beta-amiloide, ou A-beta, se         acumula em duras placas que destroem os sinais entre conexões         nervosas. Quando isso ocorre, as pessoas perdem a memória, sua         personalidade se altera, e elas deixam de reconhecer amigos e  familiares.
 Porém, agora pesquisadores de Harvard sugerem que a proteína tem         uma função real e inesperada – ela pode ser parte das defesas         comuns do cérebro contra bactérias e micróbios invasores.
Os cientistas misturaram A-beta com micróbios, como estafilococos          e pseudomonas. Ela matou 8 de 12.
Outros pesquisadores de Alzheimer dizem que as descobertas,         relatadas no periódico científico "PLoS One", são         intrigantes, embora não esteja claro se levarão a novas formas         de prevenir ou tratar a doença.
Amostras do cérebro de pacientes com Alzheimer eram 24% mais ativas em  matar as         bactérias.
 A nova hipótese surgiu em 2007, num laboratório da Faculdade de         Medicina de Harvard. O principal pesquisador, Rudolph Tanzi,         professor de neurologia que também dirige a unidade de genética         e envelhecimento no Hospital Geral de Massachusetts, disse estar         examinando uma lista de genes que, aparentemente,         estavam associados ao Alzheimer.
 Para sua surpresa, muitos se pareciam com genes associados ao         chamado sistema imunológico inato, um grupo de proteínas que o         corpo utiliza para combater infecções. O sistema é         particularmente importante no cérebro, pois anticorpos não         conseguem atravessar a barreira hematoencefálica, a membrana que         protege o cérebro. Quando o cérebro é infectado, ele depende do         sistema imunológico inato para protegê-lo.
 Naquela noite, Tanzi entrou na sala de um pesquisador mais novo,         Robert Moir, e mencionou o que havia visto. Moir entregou uma         planilha a Tanzi. Era uma comparação entre a A-beta e uma         proteína bastante conhecida do sistema imunológico inato, a         LL-37. As semelhanças eram excepcionais.
 Entre outras coisas, assim como a A-beta, a LL-37 tende a se         agrupar em minúsculas esferas rígidas. Em roedores, a proteína         que corresponde à LL-37 protege contra infecções no cérebro.         Pessoas que produzem níveis baixos de LL-37 sofrem maiores         riscos de infecções graves e têm níveis mais altos de placas         ateroscleróticas, crescimentos arteriais que impedem o fluxo  sanguíneo.
 Os cientistas mal podiam esperar para ver se a A-beta, como a         LL-37, matava micróbios. Eles misturaram A-beta com micróbios         que a LL-37 mata – listeria, estafilococos, pseudomonas. Ela         matou 8 de 12.
 “Fizemos os experimentos exatamente como eles foram feitos         durante anos”, diz Tanzi. “A A-beta foi tão potente ou, em         alguns casos, mais potente que a LL-37.”
Pacientes com Alzheimer têm cérebros inflamados, mas não estava claro se  o         acúmulo de A-beta era causa ou efeito da inflamação.
Em seguida, os pesquisadores expuseram o fungo Candida         albicans, uma das principais causas da meningite, a tecidos         das regiões cerebrais do hipocampo de pessoas que haviam morrido         de Alzheimer, e de pessoas da mesma idade que não tinham         demência ao morrer.
 Amostras do cérebro de pacientes com Alzheimer eram 24% mais         ativas em matar as bactérias. Mas, se as amostras fossem         previamente tratadas com um anticorpo que bloqueava a A-beta,         elas não matavam o fungo com mais eficácia que o tecido cerebral         de pessoas sem demência.
 Sabe-se que pacientes com Alzheimer têm cérebros inflamados, mas         não estava claro se o acúmulo de A-beta era causa ou efeito da         inflamação. Talvez, explica Tanzi, os níveis de A-beta subam         como resultado da reação do sistema imunológico inato à         inflamação; pode ser uma forma de o cérebro reagir a uma         infecção percebida.
Pesquisador tem um histórico de ideias incomuns sobre o mal de Alzheimer  que        acabam se mostrando corretas .
 Mas isso significa que a doença de Alzheimer é causada por uma         reação excessivamente enérgica a uma infecção? Essa é uma razão         plausível, junto a reações a ferimentos e inflamações e os         efeitos de genes que causam níveis de A-beta mais altos que o         normal, afirma Tanzi.     
 Entretanto, alguns pesquisadores dizem que nem todas as partes da         hipótese do sistema imunológico inato A-beta se encaixam. Norman         Relkin, diretor do programa de doenças da memória no hospital         NewYork-Presbyterian/Weill Cornell, diz que embora a ideia seja         “inquestionavelmente fascinante”, as evidências são “um pouco  frágeis”.
 Steven DeKosky, pesquisador de Alzheimer, vice-presidente e         reitor da Faculdade de Medicina da Universidade da Virgínia,         aponta que cientistas há muito buscam por evidências ligando         infecções ao mal de Alzheimer – terminando geralmente de mãos  vazias.
 Contudo, se Tanzi estiver certo sobre a A-beta fazer parte do         sistema imunológico inato, isso levantaria questões sobre a         busca por tratamentos para eliminar a proteína do cérebro.
 “Significa que você vai querer acertar a A-beta com um martelo”,         diz Tanzi. “Isso nos diz que precisamos do equivalente a uma         estatina para o cérebro, de forma a reduzir seu funcionamento         sem desligá-la.” (Tanzi é co-fundador de duas empresas, Prana         Biotechnology e Neurogenetic Pharmaceutical, que estão tentando         enfraquecer a A-beta).
 Relkin avalia que, mesmo que a A-beta não faça parte do sistema         imunológico inato, não seria uma boa ideia removê-la         completamente, junto às bolas duras de placas que ela forma no  cérebro.
 No passado, segundo Relkin, cientistas supuseram “que a patologia         era a placa”. Hoje, ele compara a remoção das placas a         desenterrar balas de um campo de batalha.
 Quanto mais balas numa região, mais intensa foi a batalha. Mas         “desenterrar balas não vai alterar o resultado da batalha”,         explica. “A maioria de nós não acredita que remover placas do         cérebro seja a solução final.”
 Porém, outros cientistas não ligados à descoberta dizem estar         impressionados com as novas informações. “Isso muda nossa         maneira de pensar sobre Alzheimer”, afirma Eliezer Masliah, que         chefia o laboratório de neuropatologia experimental da         Universidade da Califórnia, câmpus de San Diego.
 Masliah está intrigado com a ideia de que conglomerados de A-beta         possam matar bactérias e neurônios pelo mesmo mecanismo. Ele         lembra que Tanzi tem um histórico de ideias incomuns sobre o mal         de Alzheimer que acabam se mostrando corretas. “Creio que ele         esteja perto de algo importante”, conclui Masliah.